PAQUISTÃO E OS INTERESSES OCULTOS QUE O CERCAM
- rafaelpupomaia
- 20 de nov. de 2022
- 6 min de leitura
O caso do Paquistão também levantou suspeitas ao redor do Sistema Internacional. Após a invasão russa da Ucrânia em 2022, o governo liderado pelo então primeiro-ministro Imran Khan decidiu por não condenar as ações de Moscou, continuando suas relações comerciais e diplomáticas inalteradas. Curiosamente, o líder paquistanês estava em visita à Rússia no dia da ofensiva de Moscou, o que gerou polêmica no Ocidente. Historicamente, Islamabad tende a ser um importante aliado dos países ocidentais, fazendo com que as ações de Khan não fossem bem-vistas.
No dia 01 de março, seis dias após o início do conflito, tornou-se público uma carta conjunta que reunia 22 delegações diplomáticas, inclusive países da UE, requisitando que o Paquistão apoiasse a resolução condenando a agressão russa na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), aumentando a pressão política e diplomática dos países ocidentais sobre o primeiro-ministro Khan.
No dia 06 de março, Khan proferiu um discurso inflamado a seus apoiadores, questionando abertamente vários pontos da política ocidental em relação a conduta neutra adotada pelo Paquistão no conflito. Islamabad não sucumbiu às pressões ocidentais para sancionar a Rússia, aproveitando o momento para firmar mais acordos comerciais estratégicos com Moscou. Em seu discurso, o ex-primeiro-ministro disse:
“O que vocês acham de nós? Nós somos seus escravos? (...) Que o que vocês disserem, nós faremos? (...) Quero perguntar aos embaixadores da União Europeia: vocês escreveram uma carta assim para a Índia? (...) Somos amigos da Rússia e também somos amigos dos Estados Unidos, somos amigos da China e da Europa, não estamos em nenhum campo” (SPUTNIK, 2022)
Observa-se por parte de Khan o questionamento de seus parceiros europeus sobre a pressão exercida em Islamabad e o motivo da mesma não estar sendo feita sobre Nova Deli, uma vez que ambos não condenaram as ações russas. O fato do Paquistão ter laços históricos com o Ocidente e estar, de certa forma, sob sua influência, mostra que o país é um alvo da política externa norte-americana e europeia.
A política do Paquistão de não-alinhamento com o modus operandi da política externa dos EUA fez com que a relação entre ambos se deteriorasse. Não demorou muito para um voto de desconfiança ao regime de Khan ser subitamente levado ao parlamento, o que poderia resultar na destituição do líder paquistanês. Concomitantemente, a economia paquistanesa penava com inflação alta, taxas de juros elevadas e os problemas com as cadeias de suprimentos no país. Esses fatores auxiliaram a queda da popularidade do governo.
Nesse meio tempo, a base política do primeiro-ministro se dissolveu, com o anúncio da saída de apoiadores de sua coalizão governativa, inclusive dos militares, uma grande força política no país. Houve a tentativa política de dissolver a Câmara baixa do parlamento para impedir que o voto de desconfiança seguisse, mas sem sucesso. A Suprema Corte do país restaurou o parlamento e ordenou o prosseguimento do voto de desconfiança ao governo Khan. O primeiro-ministro acusou interferência externa para tirá-lo do poder e tentativa externa de instaurar um “governo importado” no Paquistão. Khan chegou a nomear os EUA como país que estava orquestrando sua queda, o que foi negado por Washington.
As objeções e acusações de Khan não adiantaram, visto que a decisão da Suprema Corte se manteve e a votação sobre voto de desconfiança ocorreu. Sem sua coalizão, a votação de desconfiança foi aprovada e Imran Khan foi destituído do cargo. Em seguida, o Conselho Nacional de Segurança do Paquistão rejeitou as acusações sobre interferência externa.
Após a remoção de Khan, o parlamento do Paquistão elegeu Shehbaz Sharif como novo primeiro-ministro. Sahrif pertence a classe política paquistanesa, sendo o irmão mais novo do três vezes primeiro-ministro Nawaz Sharif. Em sua posse, o novo líder paquistanês comentou sobre os erros da política externa do governo anterior, afirmando que iria reconstruir parcerias com os aliados do país.
Não há indícios claros de que houve uma política de “regime change” no Paquistão, mas os questionamentos nesse caso são importantes. A transição de poder ocorreu rapidamente, a coalizão política (que contemplava os militares) se desfez em questão de dias e, em menos de um mês, Khan se tornou o primeiro líder do Paquistão a ser destituído por um voto de desconfiança. Realmente havia o problema econômico no país, mas percebe-se que a queda do regime foi articulada pela classe política e não diretamente pela insatisfação do povo.
Se de fato ocorreu uma política de troca de regime orquestrada pelos EUA, isso mostra que, como a Rússia, os EUA não estão dispostos a perder seus redutos de influência. O Paquistão é um país extremamente estratégico para Washington, pela sua localização geográfica e pelo fato de o país ser um detentor de armas nucleares.
O ex-priemiê Khan iniciou no final de outubro uma turnê política denominada "Longa Marcha", onde clamava por eleições antecipadas e alimentava em seus simpatizantes e apoiadores a temática anti-sistêmica. No decorrer desse evento político, houve uma tentativa de assassinato do ex-primeiro-ministro Imran Khan, na cidade de Gujranwala, província de Punjab. Foram disparados tiros, mas nenhum deles fatal. O suposto agressor foi preso.
Em decorrência deste evento, as tensões políticas aumentaram no Paquistão, com portestos e bloqueios feitos nas grandes cidades do país. O clima ficou ainda mais hostil quando o ex-primiê acusou o atual primeiro-ministro Shahbaz Sharif, o ministro do Interior Rana Sanaullah e do diretor de contra-espionagem major-general Faisal Naseer como mandantes.
É curioso o fato de não ser a primeira tentativa de assassinato de um importante líder neste ano atípico de conflito velado entre duas potências nucleares. É importante lembrar o assassinato do ex-premiê japonês Shinzo Abe[1], em julho de 2022. O líder japonês que havia sido afastado do cargo por problemas de saúde em 2020, foi baleado enquanto discursava em campanha na cidade de Nara, levando-o a óbito.
Além do fato dos dois casos apresentarem um modus operandi similar, ambos comungam de líderes que tomaram uma posição mais nacionalista em seu país, gozando de um amplo apoio popular e ameaçando a dominância da influência ocidental em seus respectivos países. Tais fatos levantam suspeitas no tabuleiro geopolítico. Se confirmadas as suspeitas, os casos mostram a fragilidade da dominância ocidental no Sistema Internacional, uma vez que o domínio dos EUA e seu sistema está, de fato, sendo confrontada a nível global.
Neste momento delicado em que o mundo está vivendo, os EUA deixam claro que não aceitarão rebeldia em seus redutos de influência, principalmente em países estratégicos como o Paquistão e o Japão. O Ocidente luta para manter sua influência e sua dominância em um mundo cada vez mais multipolar.
Diante deste cenário, o grande questionamento que fica é: quão sustentável é a posição de dominância dos EUA neste contexto de disputa na Europa e na Ásia, ambos com duas potências militares e econômicas?
Rodapé:
[1] Abe visava tornar o Japão um país influente no Sistema Internacional e ser um parceiro igualitário dos EUA e dos países europeus. Dessa forma, ele apresentava uma postura contundente em relação a política externa e defesa. O ex-premiê defendia a revisão da constituição pacifista do país e via como uma debilidade a necessidade do Japão depender dos EUA para defesa.
Referências:
ALMEIDA, C. What led to leader Imran Khan’s downfall in Pakistan? 2022. Al Jazeera. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2022/4/9/analysis-end-of-imran-khans-term. Acesso em: 25 abr. 2022.
CAMPBELL, C. The Assassination Attempt on Former Prime Minister Imran Khan Could Push Pakistan to the Brink. 2022. Time. Disponível em: https://time.com/6228747/imran-khan-assassination-attempt-pakistan-brink/. Acesso em: 08 nov. 2022.
INDIA, Outlook (ed.). Deadlock Over FIR For Imran Khan Assassination Attempt Remains As He Accuses PM Sharif, Top Army General. 2022. Disponível em: https://www.outlookindia.com/international/deadlock-over-fir-for-imran-khan-assassination-attempt-remains-as-he-accuses-pm-sharif-top-army-general-news-234965. Acesso em: 08 nov. 2022.
KATO, Y; JALIL, Z. Shinzo Abe: The legacy of Japan's longest-serving PM. 2022. BBC. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-asia-53938094. Acesso em: 14 nov. 2022.
RT. Pakistan won’t accept ‘imported government’ – Khan. 2022i. Disponível em: https://www.rt.com/news/553577-pakistan-khan-imported-government/. Acesso em: 10 abr. 2022.
SAIFI, S; MOGUL, R. Former Prime Minister Imran Khan shot in lower leg in reported assassination attempt in Pakistan. 2022. CNN. Disponível em: https://edition.cnn.com/2022/11/03/asia/imran-khan-pakistan-rally-intl/index.html. Acesso em: 08 nov. 2022.
SPUTNIK. Primeiro-ministro do Paquistão responde a pedido de criticar Rússia: 'Somos seus escravos?'. 2022a. Disponível em: https://br.sputniknews.com/20220308/primeiro-ministro-do-paquistao-responde-a-pedido-de-criticar-russia-somos-seus-escravos-21734264.html. Acesso em: 20 mar. 2022.
TAN, Y; MURPHY, M. Shinzo Abe: Japan ex-leader assassinated while giving speech. 2022. BBC. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-asia-62089486. Acesso em: 14 nov. 2022.
ZAMAN, Q. Shehbaz Sharif elected as Pakistan’s new prime minister. 2022. Al Jazeera. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2022/4/11/shehbaz-sharif-elected-as-pakistans-new-prime-minister-2. Acesso em: 15 abr. 2022.
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