INDÍCIOS DE UMA REVOLUÇÃO COLORIDA NA UCRANIA EM 2014
- rafaelpupomaia
- 30 de out. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 11 de mar. de 2023
Na Euromaidan em 2014, observou-se o cenário perfeito para uma nova revolução colorida no país. O governo utilizou a força para suprimir os protestos, com a Berkut[1] entrando em confronto direto com os manifestantes. O cenário foi de guerra, coquetéis molotovs eram lançados contra os policiais, que revidavam com brutalidade, culminando em óbitos. Isso inflamou ainda mais o povo ucraniano para tomarem as ruas no Oeste do país demandando a derrubada do governo. Em contrapartida a parte Leste, reduto no qual o presidente era forte, não apoiava tais atos.
Neste contexto, o apoio dos EUA e seus parceiros europeus a Ucrânia deixou de ser velado. Em dezembro de 2013, ou seja, antes da queda do governo ucraniano, o influente Senador republicano John McCain viajou à Ucrânia a fim de apoiar os manifestantes estacionados a semanas na praça Maidan. O senador republicano contou com a companhia de seu par, o senador democrata Chris Murphy, mostrando a união dos dois partidos com a causa ucraniana. Em seu discurso aos manifestantes, McCain disse: "Estamos aqui para apoiar sua causa justa, o direito soberano da Ucrânia de determinar seu próprio destino de forma livre e independente. E o destino que vocês buscam está na Europa " (THE GUARDIAN, 2013 – tradução do autor).
Além dessa demonstração dos EUA, políticos europeus também viajaram a Kiev para expressar seu apoio aos manifestantes. Essa enorme demonstração de apoio é curiosa, uma vez que o governo de Yanukovych foi eleito democraticamente. No entanto, pelo governo ucraniano não ceder as demandas de Washington e Bruxelas, se aproximando da Rússia, entendeu-se necessário o establishment norte-americano apoiar a política de “regime change”, mesmo que isso implique na quebra de seus valores democráticos e liberais.
Um nome fundamental para o sucesso dos EUA na campanha ucraniana é o de Victoria Nuland[2]. Nuland é uma diplomata norte-americana de carreira, sendo destacada para o cargo de Secretária de Estado adjunto para assuntos europeus e euroasiáticos de setembro de 2013 a janeiro de 2017, sob o governo do presidente Obama. Ela estava presente na praça de Maidan durante a revolução ucraniana, provavelmente auxiliando nos próximos passos após a queda do governo do país.
Não por coincidência, em 2014 tornou-se público uma suposta ligação grampeada de Nuland com Geoffrey Pyatt, então embaixador dos EUA na Ucrânia, onde era discutido quem deveria assumir o governo ucraniano e o cenário na Europa. É possível identificar nesses escândalos que saíram na mídia a proporção que a operação dos EUA na Ucrânia tomou (BBC, 2014).
Sob a administração de Joe Biden (2021-presente), Victoria Nuland foi nomeada Subsecretária de Assuntos Políticos em abril de 2021, voltando a atuar no cenário ucraniano. Neste fato observa-se a importância de Nuland no teatro ucraniano, uma vez que ela foi destacada para um cargo elevado, mas sem perder sua função nos redutos que atuava.
O Kremlin já havia comentado sobre supostos rumores da Ucrânia possuir laboratórios biológicos e químicos com intuito de uso militar, o que aumentou com o início da invasão à Ucrânia. No entanto, esses comentários foram muito desacreditados na mídia e negados pelos governos dos EUA e da Ucrânia. Os rumores não tinham provas e, além disso, as alegações russas poderiam ser usadas como um pretexto a fim de justificar a operação militar em seu vizinho.
Tudo mudou no início de março de 2022, em uma sessão do Senado dos EUA. Victoria Nuland foi questionada pelo Senador republicano Marco Rubio sobre a presença de laboratórios químicos e biológicos para uso militar na Ucrânia. A resposta da Subsecretária Nuland foi:
“A Ucrânia tem instalações de pesquisas biológicas e, de fato, estamos bastante preocupados de que as forças russas estejam buscando tomar controle delas e, por isso, estamos trabalhando com os ucranianos sobre como prever que qualquer destes materiais de pesquisa caia nas mãos das forças russas” (TIMES NOW, 2022 – tradução do autor).
Este fato não pode ser ignorado, uma vez que a número dois na linha hierárquica da diplomacia norte-americana confirmou que havia instalações de pesquisas biológicas dos EUA na Ucrânia. Se os laboratórios eram utilizados para pesquisar a cura de patogênicos, por que o material não poderia ser capturado pelos russos?
Moscou afirmou possuir documentos capturados na Ucrânia que evidenciam ordens do Ministério da Saúde ucraniano para destruição de amostras de patogênicos como peste, cólera, antraz e outros, mas não deu mais informações, colocando a afirmação em questionamento.
O Ministério das Relações Exteriores da China aproveitou o momento e comunicou que “(...) os EUA têm 336 laboratórios em 30 países sob seu controle, incluindo 26 apenas na Ucrânia” (AL JAZEERA, 2022 – Tradução do autor). Além disso, Pequim pediu mais transparência em relação as atividades biológicas e que os EUA se sujeitassem a verificação multilateral.
Diversos países detêm laboratórios para pesquisa de vacinas e novos patológicos que aparecem ao redor do mundo. No entanto, há uma peculiaridade no caso ucraniano. Muitos laboratórios da Ucrânia são herdados da Era soviética, usados prioritariamente para a pesquisa de armas biológicas no contexto da Guerra Fria. Após a queda da União Soviética, Washington auxiliou Kiev a converter a infraestrutura dos laboratórios utilizados no programa de desenvolvimento de armas biológicas para laboratórios de saúde pública (JONES; MACSWAN; GOLLER; 2022).
É necessário observar também a parceria estratégica entre os laboratórios ucranianos e o Pentágono no âmbito do Programa de Redução de Ameaças Biológicas. A finalidade do projeto é manter a segurança dos patogênicos e toxinas armazenadas e manuseadas nos laboratórios (JONES; MACSWAN; GOLLER; 2022).
É curioso o fato do Pentágono financiar e gerenciar um programa desse segmento, uma vez que não tem finalidade bélica ou de defesa para os EUA. O questionamento maior é: por que o Pentágono está por trás desse programa e não o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, uma vez que o projeto tem o fim de assegurar a saúde da população e não possui fins militares?
A Rússia lançou um Comitê de Investigação em relação aos laboratórios financiados pelos EUA. Este Comitê apurou que os EUA investiram mais de US$ 224 milhões em pesquisas biológicas entre 2005 e o início de 2022 na Ucrânia. Em contrapartida, em um documento intitulado “Folha informativa sobre os esforços de redução de ameaças de armas de destruição em massa”, o Pentágono divulgou o número exato de laboratórios que financiou na Ucrânia como sendo 46 instituições de pesquisa, mas negou fins militares.
Percebe-se que além da importância geopolítica estratégica da Ucrânia para a Rússia, existem outros interesses dos EUA no país, como interesses econômicos, militares, políticos e outros que ainda continuam obscuros. Tendo em vista essa importância ucraniana e os indícios apresentados acima sobre a ocorrência de uma revolução na Ucrânia, fica claro que os EUA não deixariam um governo pró-russo se perpetuar no poder, há muito o que perder no país europeu.
Rodapé: [1]Antiga tropa de elite da polícia ucraniana. [2] “(...) Foi porta-voz do Departamento de Estado durante o mandato da secretária Hillary Clinton e embaixadora dos EUA na OTAN durante o segundo mandato do presidente George W. Bush, 2005-2008. Nuland atuou como enviado especial e negociador-chefe do Tratado sobre Controle de Armas Convencionais na Europa de 2010 a 2011, e como vice-conselheiro de segurança nacional do vice-presidente Cheney de 2003 a 2005. Além de duas viagens à OTAN em Bruxelas, ela serviu no exterior na Rússia, China e Mongólia, e em várias missões no Departamento de Estado em Washington.” (US Departament of State – tradução do autor).
REFERÊNCIA:
AL JAZEERA. US denies Russian claims of biowarfare labs in Ukraine. 2022. Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2022/3/10/us-denies-russian-claims-of-biowarfare-labs-in-ukraine. Acesso em: 20 abr. 2022
BBC. Ukraine crisis: Transcript of leaked Nuland-Pyatt call. 2014. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-europe-26079957. Acesso em: 10 abr. 2022.
JONES, Gareth; MACSWAN, Angus; GOLLER, Howard. U.S. dismisses Russian claims of biowarfare labs in Ukraine. 2022. Disponível em: https://www.reuters.com/world/russia-demands-us-explain-biological-programme-ukraine-2022-03-09/. Acesso em: 20 abr. 2022.
THE GUARDIAN. John McCain tells Ukraine protesters: 'We are here to support your just cause'. 2013. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2013/dec/15/john-mccain-ukraine-protests-support-just-cause. Acesso em: 12 abr. 2022.
TIMES NOW. They called it a conspiracy theory but United States just acknowledged existence of bio labs in Ukraine. 2022. Disponível em: https://www.timesnownews.com/world/they-called-it-a-conspiracy-theory-but-united-states-just-acknowledged-existence-of-bio-labs-in-ukraine-article-90097467. Acesso em: 15 abr. 2022.
U.S. DEPARTAMENT OF STATE. Ambassador Victoria Nuland. 2021. Disponível em: https://www.state.gov/biographies/victoria-nuland/. Acesso em: 15 abr. 2022.
Instalações de pesquisas biológica, medo que caia em qualquer mãos.