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CONCLUSÕES PRÉVIAS SOBRE A ESTRATÉGIA GEOPOLÍTICA RUSSA NA INVASÃO DA UCRÂNIA

  • Foto do escritor: rafaelpupomaia
    rafaelpupomaia
  • 14 de dez. de 2022
  • 8 min de leitura

Atualizado: 13 de fev. de 2023

Com os fatos apresentados nas publicações anteriores, percebe-se que a guerra na Ucrânia não é um evento desconexo e isolado, mas uma peça importante para entender um cenário geopolítico maior. A Rússia foi coibida pelos EUA e seus parceiros europeus que tentaram cooptar Kiev para a esfera de influência da União Europeia e OTAN. Como as tratativas diplomáticas falharam, Moscou se sentiu no direito de iniciar e operacionalizar um plano desenhado ao longo do tempo e preparado para a situação.

O cenário na Ucrânia é uma peça fundamental para entender que o Kremlin não está sozinho nessa estratégia geopolítica citada acima, muito pelo contrário, ele mostra que a parceria entre Rússia e China se estendeu acima de questões militares, políticas e econômicas. Claramente, ambos os países estão alinhados em um plano macro para desbancar a hegemonia norte-americana no Sistema Internacional e instituir uma nova ordem geopolítica. Por mais que a Rússia se preparou para este momento, sem a China, talvez Moscou não conseguisse suportar as fortes sanções econômicas impostas.

A guerra na Ucrânia se tornou um grande campo de treinamento real para as tropas russas e de testes para as novas armas do arsenal russo, algumas até então não haviam sido reveladas ao público. Inclusive, diversos erros foram detectados pelo Ministério da Defesa russo em relação as debilidades que não tinham sido percebidas previamente, permitindo melhorias contínuas na organização das forças russas. Neste caso, é possível citar o caso da mobilização dos reservistas no país. Neste exemplo, o próprio presidente Vladimir Putin disse: "No decorrer desta mobilização, muitas questões estão surgindo, e todos os erros devem ser corrigidos e evitados no futuro" (LIFFEY; FLETCHER, 2022).

A estratégia de Putin não é na Ucrânia em si, mas sim no tabuleiro geopolítico como um todo. A guerra na Ucrânia é um meio para um fim. Como descrito em outras publicações, Kiev está sendo cooptada por forças ocidentais desde a queda da URSS, mas apenas em 2014 ficou visível tal interferência dos EUA e seus parceiros. Mesmo assim, a Rússia não tomou uma atitude militar ativa nesta ocasião, diferentemente de sua atitude com a Geórgia em 2008. O Kremlin preferiu utilizar a estratégia de guerra híbrida na Ucrânia, por meio das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk. Isso tornou a Ucrânia o palco de uma guerra por procuração (Proxy War). Apenas em fevereiro de 2022 a Rússia lançou uma operação militar no país. É necessário se perguntar o por que a Rússia tratou a Ucrânia diferente de seu modus operandi?

O teatro de operações russo na Ucrânia é totalmente diferente do georgiano e do sírio. Kiev é fundamental para a segurança territorial da Rússia e, por isso, tem um peso diferente para Moscou. No entanto, a estratégia do Kremlin não é apenas solucionar momentaneamente seu problema, mas enfraquecer o poder dos EUA no Sistema Internacional, abrindo lacunas para que os países emergentes como Rússia, China e Índia surjam como um novo baluarte da Nova Ordem Mundial.

O fato de Moscou não findar rapidamente a guerra é totalmente proposital, sendo parte da estratégia macro citada acima. Uma guerra longa não era esperada pelo Ocidente, tendo em vista a força bélica dos russos e os casos das campanhas militares rápidas da Crimeia (2014) e Geórgia (2008). Com o enorme apoio financeiro, político e militar dos EUA e de países europeus ao esforço de guerra ucraniano, esperava-se uma resistência assídua contra os russos, mas não uma vitória ucraniana. Os grandes projetos aprovados no Congresso norte-americano permitiram a indústria bélica e adjacentes dos EUA se desenvolverem e lucrarem alto sobre o conflito. No entanto, não se cogitou uma guerra de desgaste.

Propositalmente, os russos estão postergando seus objetivos militares, em detrimento de fazer com que o Ocidente continue investindo no conflito, fornecendo uma enorme quantidade de armas e equipamentos militares a Ucrânia. Como já descrito no post anterior, além do enorme dinheiro investido pelos EUA e Europa em armas para a Ucrânia causarem reverberações econômicas internas, os equipamentos mais tecnológicos que estão sendo enviadas para Kiev tem que ser retirado diretamente dos estoques das Forças Armadas desses países, sendo mais complexo sua reposição no médio e curto prazo.

A guerra de desgaste empregada pelo Kremlin causa um constrangimento internacional aos seus patrocinadores, pois impõe uma responsabilidade aos EUA e Europa sobre auxiliar a Ucrânia. Isto é, perante ao mundo o Ocidente fez votos de apoio e auxílio irrestrito a Kiev, que devem ser cumpridos, caso contrário há a perda de credibilidade perante aos parceiros militares e econômicos desses países. Dessa forma, Washington e Bruxelas tendem a continuar auxiliando de forma financeira e militar a Ucrânia.

O grande problema é que após meses de conflito, a Europa começou a dar sinais de estagnação de seu apoio irrestrito a causa ucraniana, muito pelo desgaste econômico e político que a invasão gerou, além da chegada do inverno no velho continente. Da mesma forma, questionamentos nos EUA começaram a aparecer, principalmente através de dissidentes do partido Republicano.

Isso explica o porquê os russos não atacaram as rotas de suprimentos dos ucranianos em um primeiro momento do conflito. O Alto Comando russo permitiu o Ocidente enviar seus equipamentos de forma constante aos ucranianos para que esse ciclo de apoio ideológico irrestrito no início não fosse frustrado por um ataque russo, fazendo com que os políticos e militares ocidentais acreditassem que tal medida tenha surtido efeito no campo de batalha. O mesmo ocorreu com as retiradas das tropas russas de Kherson e outras importantes regiões, o que inflamou o ímpeto ucraniano e o auxílio mais agressivo do Ocidente. Em momento nenhum tal prerrogativa tira os méritos das Forças Armadas ucranianas que retomaram uma grande quantidade de território em sua contraofensiva.

No cenário macro, a estratégia russa está em pleno funcionamento. Isso fica visível no final de junho, em um encontro do G7, quando é afirmado que os países membros deste grupo apoiarão a causa ucraniana indefinidamente. Segundo o rascunho da declaração dos líderes: “Continuaremos a fornecer apoio financeiro, humanitário, militar e diplomático e permaneceremos com a Ucrânia pelo tempo que for necessário” (RT, 2022a - tradução do autor).

Muitos analistas se prendem apenas no cenário militar e geopolítico, no entanto a estratégia sino-russa tem uma forte vertente econômica em seu plano. A Europa, principal parceiro dos EUA, está caminhando para um abismo econômico e energético devido a esse apoio irrestrito e suas consequências. A economia dos EUA está sinalizando uma possível recessão. No mundo, há um enorme desabastecimento nas cadeias de suprimentos devido a crise do Covid-19 e as sanções impostas à Rússia e países adjacentes pelo início do conflito.

Habilmente, Pequim e Moscou souberam aproveitar o momento para estreitar relações econômicas e parcerias em diversos segmentos. O próprio presidente chinês afirmou seu apoio a Vladimir Putin. Concomitantemente, a Índia se tornou um forte parceiro econômico russo. Desde o início da guerra, as importações de petróleo[1] russo por Nova Deli aumentaram quase cinquenta vezes. As importações indianas de petróleo russo representavam apenas 0,2% de todo o petróleo importado pelo país antes da guerra. No momento, o petróleo russo representa 10% das importações totais do país. Algo semelhante ocorreu com as importações de fertilizantes pela Índia, com a Rússia se tornando o maior fornecedor do país..

Por sua vez, a China está consumindo cada vez mais bens e produtos russos, auxiliando a aliviar a ociosidade na produção da Rússia causada pelas sanções ocidentais. Segundo a Administração Geral de Alfândegas da China, apenas em maio, as importações de petróleo russo chegaram a 8,42 milhões de toneladas. Este volume representa um aumento recorde de 55% nas importações chinesas em relação ao mesmo período em 2021.

Três meses após o início do conflito, a Rússia vendeu US$ 24 bilhões em energia para a China e a Índia. A China gastou US$ 18,9 bilhões, quase o dobro do valor gasto em 2021 no mesmo período. A Índia gastou US$ 5,1 bilhões comprando energia russa, valor quase cinco vezes maior em relação ao ano anterior. É importante perceber que dois dos principais mercados consumidores do mundo estão buscando em Moscou bens e produtos mais baratos, de certa forma, burlando as sanções ocidentais e desafiando a posição dos EUA.

Voltando ao tabuleiro geopolítico, a China, principal parceiro russo, já afirmou que a reunificação com Taiwan é uma questão de tempo. O que não se sabe é se tal ato se dará de forma pacífica ou por meio de conflito. Atualmente, tudo indica que a reunificação será por meio da força, uma vez que Taiwan não aceita o status de território chinês e está se armando cada vez mais para um eventual conflito. Em mais uma decisão equivocada, o presidente Joe Biden afirmou que as Forças Armadas norte-americanas defenderiam Taiwan em caso de invasão chinesa, escalando as tensões entre Washington e Pequim.

Caso a China decidisse invadir Taiwan no primeiro semestre de 2023, os EUA terão que escolher entrar ou não militarmente no conflito. Neste caso, há a prerrogativa da confiança nas afirmações do presidente Biden. Caso ele não defenda militarmente Taiwan, há a perda de credibilidade perante aos seus parceiros militares. Este fato mostra que o próprio presidente Biden se colocou em uma posição estrategicamente desfavorável perante a situação.

Partindo do pressuposto que os EUA decidirão por retaliar militarmente a ofensiva chinesa, Washington se deparará com diversos problemas estruturais. Seu principal parceiro militar estará atolado em uma guerra de desgaste na Ucrânia e, muito provavelmente, os russos tomarão uma posição ofensiva na guerra, apertando o cerco sobre o país e o continente europeu. A OTAN focará suas forças na Ucrânia, já que sua principal função atualmente é de conter as ambições russas. Não obstante, o cenário econômico nos EUA estará desgastado, com o país em dívidas devido aos recursos queimados na guerra da Ucrânia, o que corrobora o cenário de recessão e inflação. Este cenário, caso se concretize, enfraquece a posição de Washington perante Pequim e Moscou. A forma como os EUA responderá a invasão chinesa de Taiwan selará a queda da ordem mundial liderada pelos EUA ou levará a uma guerra generalizada.

O enfraquecimento do principal parceiro norte-americano na Ucrânia empregada pelos russos, mas viabilizado pelo próprio Ocidente, tirará ou retardará uma resposta europeia em caso de conflito no Pacífico. Como a Rússia já provou, sua incursão na Ucrânia é apenas uma operação militar e não uma guerra. Isto significa que a principal força russa está em prontidão, sendo treinada para o combate. Não à toa, grande parte dos russos lutando na Ucrânia são voluntários ou mercenários do Wagner Group, afastando o conflito da sociedade civil russa, além de manter sua principal força de reserva.

O entendimento do cenário por parte de Washington está sendo extremamente falho. Isso se dá muito pelos interesses individuais por trás do sistema político dos EUA, somado a forte divisão ideológica perpetrada no Ocidente, resultando na ideologização da política externa e o não reconhecimento dos verdadeiros problemas e ameaças a segurança norte-americana.

Nesse sentido, há indícios de que uma nova ordem munidal está emergindo, uma liderada em um primeiro momento pela China e pela Rússia, mas tendendo também ao multilateralismo desenhado pelo BRICS. É possível conjecturar um cenário de disputas constates neste novo cenário multipolar, onde uma nação lutará pela hegemonia no Sistema Internacional.


Rodapé: [1] Devido as sanções ocidentais, o petróleo russo é vendido com desconto para seus parceiros econômicos, tornando-se uma oportunidade para a Índia comprar a matéria-prima mais barata.


Referências:

BBC BRASIL. Como China e Índia têm ajudado Rússia a driblar sanções comprando petróleo barato. 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61890519. Acesso em: 28 jun. 2022.

BRUNNSTROM, D; HUNNICUTT, T. Biden says U.S. forces would defend Taiwan in the event of a Chinese invasion. 2022. Reuters. Disponível em: https://www.reuters.com/world/biden-says-us-forces-would-defend-taiwan-event-chinese-invasion-2022-09-18/. Acesso em: 08 dez. 2022.

DAMODARAN, H. Amid sanctions, Russia becomes India’s top DAP fertiliser supplier. 2022. The Indian Express. Disponível em: https://indianexpress.com/article/india/amid-sanctions-russia-becomes-indias-top-dap-fertiliser-supplier-7999606/. Acesso em: 02 jul. 2022.

LIFFEY, K; FLETCHER, P. Putin says mistakes of military mobilisation should be corrected. 2022. Reuters. Disponível em: https://www.reuters.com/world/putin-says-mistakes-military-mobilisation-should-be-corrected-ria-2022-09-29/. Acesso em: 09 dez. 2022.

MURTAUGH, D; CHAKRABORTY, D. Russia pockets $24bn from selling energy to China, India. 2022. Al Jazeera. Disponível em: https://www.aljazeera.com/economy/2022/7/6/russia-pockets-24b-from-selling-energy-to-china-india. Acesso em: 08 jul. 2022.

RT. G7 leaders agree to support Ukraine indefinitely – Bloomberg. 2022a. Disponível em: https://www.rt.com/russia/557871-g7-support-ukraine-indefinite/. Acesso em: 28 jun. 2022.

RT. Indian imports of Russian oil explode – media. 2022b. Disponível em: https://www.rt.com/business/557726-india-russia-oil-imports-surge/. Acesso em: 30 jun. 2022.

RT. Kherson remains part of Russia – Kremlin. 2022c. Disponível em: https://www.rt.com/russia/566351-kherson-region-russia-withdrawal/. Acesso em: 01 dez. 2022.


 
 
 

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