A TENTATIVA DE GOLPE NA RÚSSIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS
- rafaelpupomaia
- 28 de set. de 2023
- 16 min de leitura
Atualizado: 1 de out. de 2023
O motim do Wagner Group liderado por Yvegney Prigozhin na Rússia foi mais uma tentativa fracassada de derrubar o governo de Vladimir Putin. No entanto, foi a que mais chegou perto desse objetivo em quase duas décadas de Putin no poder. As consequências do motim são incertas no longo prazo, mas há definitivamente uma série de fatores que mudarão a política externa russa e a doutrina militar empregada na Ucrânia.
No artigo Wagner Group e sua Controvérsia Atuação na Ucrânia, publicado em 08 de maio de 2023 (antes do motim), o texto é finalizado com o questionamento do futuro da relação de Prigozhin com o establishment político e militar russo, uma vez que o grupo vinha ganhando muita força em termos bélicos e midiáticos, assim como seu líder. Pressupunha-se que haveria uma divisão dentro da coesa liderança russa em relação a guerra e ao Wagner Group, mas o resultado das ações de Prigozhin foram mais contundentes e ousados do que o esperado.
O presidente Putin mantém uma série de pessoas de confiança nos mais diversos níveis da estrutura política e militar russa, dois deles foram: Sergei Shoigu, Ministro da Defesa da Rússia, e Yvegney Prigozhin, oligarca e bilionário russo. Ambos podem ser considerados de confiança do presidente pela trajetória, proximidade com o líder russo e relevância.
Prigozhin foi dono de redes de restaurantes na Rússia e ficou conhecido como "o Chefe de Putin" por fornecer comida ao Kremlin e as instituições públicas russas. Em seguida, o oligarca foi responsável por criar o Wagner Group, uma demanda que veio diretamente do Kremlin após o início da guerra no Leste ucraniano em 2014. Por sua vez, Sergei Shoigu teve uma ascensão meteórica aos mais altos cargos políticos da Federação Russa, não fazendo parte do grupo inicial de confiança que Putin construiu em São Petesburgo e alçou aos cargos de liderança. Dessa forma, o General Shoigu conquistou e construiu um vínculo de confiança com Vladimir Putin, que o designou como Ministro da Defesa, cargo que ele ocupa desde 2012, mesmo não sendo um militar de carreira. Portanto, conclui-se que ambos têm grande influência em Moscou e dispunham de um certo grau de confiança de Putin.
Durante a "Operação Militar Especial" empregada por Moscou na Ucrânia, o Wagner Group desempenhou um papel importante na linha de frente. Em meados de 2022, com o grupo ganhando notoriedade e uma impressionante capacidade bélica, Prigozhin admitiu ser o líder da organização, expandindo sua influência doméstica e ganhando relevância internacional.
Após a segunda fase da operação militar russa, o Wagner Group foi encarregado de ser a principal força de combate da Rússia no front. A partir desse momento, atritos entre Prigozhin e o establishment político e militar começaram a ocorrer, principalmente com o Ministro da Defesa, Sergei Shoigu. Reclamações públicas sobre a falta de munição e de vontade de ganhar a guerra do Alto Comando Militar russo foram feitas pelo líder do Wagner Group.
Prigozhin subiu o tom contra Moscou no início de 2023, no decorrer da sangrenta batalha por Bakhmut, acusando o Ministro Shoigu e o Chefe do Estado-Maior, General Valery Gerasimov, de incompetência e alta traição por não suprir as tropas do Wagner Group com as munições e equipamentos necessários, assim como transporte aéreo. Segundo o proprietário do grupo: "[isso] pode ser comparado a alta traição no exato momento em que o Wagner está lutando por Bakhmut, perdendo centenas de seus combatentes todos os dias" (THE ASSOCIATED PRESS, 2023 - tradução do autor).
Essas foram acusações extremamente sérias realizadas por Prigozhin, ainda mais em tempos de guerra, mas que passaram impunes pela justiça russa. Por meio de comunicado oficial, o Ministério da Defesa da Rússia negou as alegações feitas e afirmou que foi dada prioridade para que os combatentes russos estejam bem equipados nos assaltos aos objetivos especificados por Moscou. O comunicado também frisou que"[as] tentativas de criar uma divisão no maquinário coeso de cooperação e apoio entre as subdivisões das forças russas são contraproducentes e apenas beneficiam o inimigo” (THE ASSOCIATED PRESS, 2023 - tradução do autor).
É importante ressaltar que as acusações de Prigozhin e o parco avanço das tropas russas na Ucrânia corroboram a tese levantada no artigo Conclusões Prévias sobre a Estratégia Geopolítica Russa na Invasão da Ucrânia, prevendo que Putin perpetra voluntariamente uma guerra de desgaste na Ucrânia com o objetivo de drenar os recursos militares e econômicos dos EUA e seus parceiros.
Em janeiro de 2023 o presidente Putin apontou o General Valery Gerasimov como comandante das forças russas combinadas na invasão da Ucrânia, como uma forma de segurar o ímpeto de Prigozhin e manter a estratégia de Moscou para a Ucrânia em andamento. O que se sucedeu foi o aumento do tom do bilionário contra o Ministério da Defesa, uma vez que entendeu que ele não poderia crescer politicamente da forma que imaginou.
Percebe-se que a relação entre a liderança do Wagner e o Ministério da Defesa estava estremecida. Faz-se necessário algumas considerações importantes neste momento. Prigozhin se revelou líder do Wagner Group em plena ofensiva, pois ele buscava um ganho de influência política em Moscou, caso contrário ele poderia continuar liderando o grupo longe dos holofotes. Importante perceber também que ele não atacou a liderança de Vladimir Putin, mas sim seus homens de confiança, buscando apoio do povo por meio do patriotismo russo. Portanto, quando ele percebeu que a estratégia de Moscou para a Ucrânia não o favoreceria politicamente e que ele não seria encarregado de comandar as forças combinadas russas na Ucrânia, ele aumentou as críticas contra o Ministério da Defesa e uma parte do alto escalão militar.
No início de maio, a relação entre o Wagner Group e o establishment russo estava extremamente desgastada. O bilionário russo ameaçou deixar suas posições em Bakhmut caso não recebesse a munição necessária para continuar lutando. Segundo o próprio Prigozhin, ele recebeu uma ordem que se o Wagner abandonassem suas posições, tal ato seria considerado traição contra a pátria. A contenda gerou um avanço na retórica contra Moscou, mas o impediu de abandonar suas posições. Nesse meio tempo, o Kremlin deu início a uma transição paulatina na linha de frente dos mercenários do Wagner Group para os soldados das Forças Especiais Chechenas chamada Akhmat, liderada por Ramzan Kadyrov, líder da República da Chechênia.
Em 20 de maio, a Rússia anunciou a tomada de Bakhmut pelas tropas de assalto do Wagner Group, após longos meses de combates e dezenas de milhares de mortos. Prigozhin anunciou a tomada por meio de vídeo, onde parabenizou seus mercenários e atacou o ministro Shoigu e o General Gerasimov, dizendo que cinco vezes mais homens morreram devido a caprichos de ambos. Após a queda da cidade, os mercenários se retiraram da linha de frente e entregaram a cidade as tropas chechenas e ao Exército regular russo. Portanto, Prigozhin e seu grupo perderiam a importante relevância dentro do contexto da guerra, o que significava uma perda de influência em Moscou.
Logo após a retirada dos mercenários de Bakhmut, ainda no final de maio, Prigozhin declarou que a Rússia poderia enfrentar uma revolução interna, como em 1917, caso as elites não levassem a sério a guerra na Ucrânia. O bilionário ainda criticou a política pós-soviética da Rússia em relação à Ucrânia, classificando a operação militar como confusa e contraditória, dizendo que a Rússia fracassou em seus objetivos de desmilitarizar o país vizinho. Não satisfeito, Prigozhin atacou a alta liderança militar da Rússia, afirmando que o ataque na região russa de Belgorod só revelou a incompetência e as repetidas falhas dos militares, mostrando que a tendência são ataques mais fundos nos territórios russos.
É importante perceber que desde o início da guerra há a tentativa de derrubar Vladimir Putin do poder, muito por meio de uma Revolução Colorida na Rússia. Em março de 2022, em um discurso na cidade de Varsóvia, o presidente Joe Biden afirmou que Putin não poderia continuar governando a Rússia. Segundo Biden "(...) este homem [Putin] não pode permanecer no poder" (LIPTAK; VAZQUEZ, 2022). A declaração foi extremamente infeliz, pois corroborou as acusações de interferência dos EUA em decisões soberanas de outros países, como um Regime Change na Rússia. A Casa Branca rapidamente se pronunciou e assegurou que as declarações não se tratavam de uma mudança de regime de governo na Rússia ou sobre tirar Putin do poder, mas sim sobre Putin não poder exercer poder sobre seus vizinhos.
Não obstante, o Vice-chefe da Diretoria Principal de Inteligência da Ucrânia (GUR), Vadim Skibitsky, afirmou em entrevista ao jornal alemão Die Welt, em maio de 2023, que Putin figura na lista de assassinatos do país e que a Agência ainda não conseguiu alcançá-lo, pois o líder russo permanece escondido. Portanto, fica claro que há o interesse ocidental em tirar o presidente Putin do poder, seja desestabilizando sua base política e militar ou por meio de assassinato. Curioso lembrar que entre o ano passado e 2023 houve assassinatos e tentativas de assassinatos de líderes políticos proeminentes como Shinzo Abe e Irman Khan.
Fato curioso é que na semana do dia 18 de junho, poucos dias antes do motim do Wagner Group, Antony Blinken, Secretário de Estado dos EUA, se encontrou com o Ministro das Relações Exteriores, Qin Gang, em Pequim. O encontro marcou a primeira visita de um Secretário de Estado norte-americano ao país asiático em cinco anos. O encontro dos chefes da diplomacia norte-americana e chinesa levou a discussão em diversos níveis sobre a guerra russo-ucraniana, as questões de Taiwan e cooperação econômica, com intuito de arrefecer e desescalar as crescentes tensões entre Washington e Pequim. Curiosamente, no mês de julho, Qin Gang - antigo embaixador chinês nos EUA - apresentou várias semanas de sumiço inexplicável pela alta liderança chinesa, sendo seguido por sua queda e exoneração do Ministério das Relações Exteriores chinês.
Na sexta-feira, dia 23 de junho, iniciou-se o levante armado do Wagner Group na Rússia, adentrando com suas tropas em território russo com armamentos pesados e tomando de assalto vilarejos e cidades. Horas antes desse fato, Prigozhin afirmou que o Ministério da Defesa russo ordenou o bombardeamento de suas tropas, causando diversas baixas. Mesmo sem fornecer nenhuma prova, o líder prometeu vingança ao ato. O Ministério da Defesa negou ter atacado o acampamento do grupo. No sábado de madrugada, 24 de junho, as tropas do Grupo Wagner alcançaram Rostov, tomando a cidade localizada no sul da Rússia, mantendo seu rumo a Moscou.
Concomitantemente, o Kremlin tomou medidas protetivas, evitando ao máximo escalar a situação visando evitar uma guerra civil. Putin ordenou alerta máximo nas Forças Armadas e de segurança, além de levantar diversas barricadas e postos de controle em Moscou, principalmente no Sul da capital, com a segurança nos prédios governamentais terem sido reforçadas. Não obstante, cerca de três mil soldados chechenos do Akhmat deixaram suas posições na Ucrânia e foram direcionados para interceptar as forças do Wagner Group. O avanço das tropas do grupo mercenário foi rápida, tomando Voronezh e continuando sua marcha rumo a Moscou.
O golpe só seria completo se Putin estivesse morto, algo que nas revoluções é comum, principalmente em lideranças fortes, vide a Revolução russa de 1917. Desse modo, percebe-se a tentativa de desgastar e derrubar o Estado russo tem um aspecto macro. É possível que, alimentando a ganância e cobiça por poder de Prigozhin, tenha havido a tentativa de cooptar o Wagner Group para realizar uma mudança de regime na Rússia.
O líder do grupo mercenário e oligarca russo utilizou da guerra da Ucrânia para alavancar sua figura pública e colocá-lo como um ator importante na guerra e na política russa. Concomitantemente, Prigozhin estava insatisfeito com os rumos da guerra na Ucrânia e com a liderança política de Moscou. Seus ataques ao establishment político e militar russo podem ter sido indicativos para o Ocidente e suas instituições começarem a sondar uma revolução colorida na Rússia.
É possível fazer um paralelo deste espisódio com a Operação Valquíria ocorrida em 1944 na Alemanha Nazista, quando foi arquitetado um plano por oficiais do Exército alemão para derrubar o governo de Adolf Hitler e negociar a paz com os Aliados. O plano era pautado na morte do ditador e o início de um Estado de sítio em Berlim para evitar uma guerra civil em caso da SS (Schutzstaffel), um grupo paramilitar acoplado à máquina do Estado, querer tomar o poder. Este cenário mudaria a hierarquia de sucessão no Reich alemão, colocando alguns dos conspiradores como principais tomadores de decisão do Estado.
Trazendo para o cenário russo, a marcha para Moscou somado com a morte de Vladimir Putin levaria ao caos a cadeia de comando e sucessão do presidente, permitindo que o cenário instalado pelo Wagner Group somado aos outros conspiradores dentro da máquina estatal russa tomassem o poder pela força ou utilizando de uma prerrogativa legal como na Operação Valquíria.
Em ambos os casos o golpe falhou pelo não atingimento do sucesso no assassinato de seus líderes. No caso russo ficou claro que a parada no avanço a Moscou não se deu para evitar uma guerra civil, mas sim porque o presidente Putin continuava vivo, assim como tudo o que ele representa e seus alicerces de poder. Dessa forma, a chance de sucesso no golpe foi reduzida drasticamente.
No dia 24 de junho, Alexander Lukashenko, presidente bielorrusso, intermediou uma negociação com o líder do Wagner Group, após discutir o assunto com Putin. Prigozhin aceitou a oferta de Lukashenko para se retirar da Rússia sem efeitos colaterais maiores, tendo algumas garantias de segurança para o líder e os soldados amotinados. No entanto, as demandas iniciais do oligarca de destituir o Ministro da Defesa e alguns generais não foram aceitas por Moscou. Com isso, Prigozhin transferiu o Wagner Group para a Bielorrússia e Putin deu livre acesso aos soldados que apoiaram a marcha contra Moscou para seguirem seu líder no exílio. Para o restante dos soldados do Wagner Group, o Ministério da Defesa ofereceu contratos para que continuem na luta.
Após a tentativa de golpe, o presidente russo se pronunciou, agradecendo ao povo russo pelo espírito patriótico e também ao seu homólogo bielorrusso por intermediar o acordo com o grupo paramilitar. Putin homenageou os pilotos mortos [abatidos pelas forças do Wagner Group] que se sacrificaram na defesa do país. O líder russo também citou a tentativa de criar uma guerra civil na Rússia visando desestabilizá-la. Mesmo reiterando o cumprimento de sua promessa, Putin chamou o ato de alta traição contra a Rússia e o povo russo.
Mesmo vendo seus alicerces de poder estremecerem e entender a gravidade da situação que ocorreu no mês de junho, Vladimir Putin soube não agir com a emoção, se atendo a frieza que permeou sua carreira política. Perdoando os amotinados e os exilando, ele permitiu que a gigantesca e complexa estrutura do Wagner Group pudesse continuar operando em regiões distantes, levando o interesse do Estado russo a elas. Pois, uma vez que Prigozhin fosse morto ou preso, certamente muitos mercenários e lideranças regionais se voltariam contra a decisão e se rebelariam contra as ordens do Ministério da Defesa russo. Portanto, Putin necessitava - pelo menos por um período - da permanência do oligarca e sua liderança à frente do grupo paramilitar.
Por sua vez, a Ucrânia aproveitou muito mal toda essa turbulência que a Rússia viveu, fazendo poucos avanços e realizando uma ineficiente ofensiva nas linhas de defesas russas. Mesmo sem mover tropas regulares russas para defender a capital do avanço dos mercenários, houve a retirada dos chechenos do Akhmat da linha de frente para reforçar as defesas russas em seu território. Nesse momento, os ucranianos poderiam ter utilizado melhor o caos político e militar em Moscou para ter avanços mais contundentes.
Interessante notar que um mês após a tentativa de golpe a CIA (Central Intelligence Agency) afirmou que tinham informações prévias sobre um possível motim dos mercenários do Grupo Wagner. Segundo o Diretor da CIA, William Burns, além do fato acima, os EUA também conseguiram analisar a inação do Kremlin e a falta da capacidade de julgamente de Putin frente ao levante liderado pelo Wagner Group.
Após alguns dias da tentativa de golpe na Rússia, a China se manifestou sobre o ocorrido. Pregando a manutenção e estabilização da ordem política na Rússia e defendendo a soberania dos países, Pequim afirmou que estes são assuntos internos de Moscou e que apoia totalmente a estabilização da situação no país. Como já citado anteriormente, nota-se que alguns dias depois do ocorrido houve o sumiço misterioso e queda do Ministro das Relações Exteriores chinês, Qin Gang.
Enquanto Putin tomou as medidas necessárias para retomar o controle do Kremlin e se estabilizar politicamente, Prigozhin foi para Bielorrússia junto à liderança do Wagner, estabelecendo o país como nova sede da organização. As operações do grupo continuaram ao redor do mundo, com uma forte presença na África. Este acordo e a anistia a Prigozhin e seus amotinados foi criticada e vista como um ato de fraqueza pelo Ocidente.
Falando sobre a traição de Prigozhin e dos mercenários que o apoiaram na tentativa de golpe na Rússia, Putin revelou os valores dos contratos que o Estado russo forneceu ao grupo paramilitar para operar na Ucrânia. Segundo o presidente russo, Moscou gastou apenas com pagamentos de manutenção e incentivos 86,26 bilhões de rublos (US$ 1 bilhão) entre maio de 2022 e maio de 2023. Putin tentou mostrar que não abandonou o grupo no cenário ucraniano, mas também mostrou o tamanho do acoplamento da empresa privada com os interesses de Moscou.
O cenário mudou no dia 23 de agosto, data que marcou os dois meses da tentativa de golpe frustrada de Wagner Group na Rússia, quando o avião Embraer Legacy 600 de Yvegeny Prigozhin caiu na Rússia, matando as 10 pessoas a bordo, inclusive o próprio Prigozhin. A morte do oligarca veio junto com algumas das lideranças do Wagner Group, como Dmitry Utkin, principal comandante do grupo.
Muitas foram as teorias lançadas sobre o acidente que vitimou a alta liderança do Wagner Group. No entanto, muitas delas foram descartadas devido à falta de provas ou evidências que desacreditam a hipótese, como a versão que afirma que o avião foi abatido. É curioso avaliar que o modelo do avião acidentado até 2021 havia registrado apenas um acidente em mais de vinte anos de serviço, não sendo este resultado de falha mecânica. Tal fato suscita a hipótese de sabotagem por parte do FSB (Serviço Federal de Segurança) russo.
A morte de Prigozhin e da alta liderança do grupo consolidou a imagem de Vladimir Putin como um líder forte. Poucos dias após o acidente, o presidente russo ordenou que os mercenários do Wagner Group jurassem lealdade ao Estado russo, solidificando uma hierarquia clara entre as empresas privadas que estão agindo militarmente em busca dos interesses de Moscou, colocando os soldados sobre o chapéu e amarras do Kremlin.
Esta medida, além de delinear a hierarquia e colocar as forças privadas sob tutela do Estado russo, foi o momento perfeito para que Putin entendesse quem dos mercenários era fiel a Prigozhin e suas ideias, não aceitando o Estado russo e seu poder. Para os soldados que não aceitassem o juramento, não haveria a possibilidade de continuarem operando pelo Wagner.
A estes acontecimentos, é possível fazer um paralelo com a famosa e infame Noite das Facas Longas na Alemanha Nazista. Na noite do dia 30 de de junho de 1934, a SS e a Gestapo iniciaram um grande expurgo na alta liderança do partido nazista e na SA (Sturmabteilung), uma unidade paramilitar e um braço do partido de nazista na qual seu líder, Ernst Röhm, defendia abertamente uma segunda revolução na Alemanha e a substituição do cerne do Exército alemão pela SA, colocando em cheque o já consolidado poder de Adolf Hitler. A visão do ditador alemão sobre a SA era de desconfiança, pois a organização já contava com cerca de três milhões de membros, fortalecendo o poder de Röhm e a disseminação de suas visões.
Dessa forma, se baseando no falso pretexto de um plano de golpe de Estado na Alemanha, a SS fez uma lista composta de políticos e lideranças da SA que pudessem ser oponentes ou desafetos de Hitler, matando e prendendo grande parte, inclusive Röhm. Sendo assim, Hitler conseguiu tirar seus oponentes do jogo político e controlar a impetuosa SA, submetendo-a totalmente aos seus desígnios.
É possível ver um movimento similar na Rússia, onde o líder do Wagner Group e sua principal liderança fiel a ele foram mortos de forma suspeita. Atualmente, é difícil ter acesso ao total de mortos na liderança do grupo mercenário, justamente pelas informações na Rússia serem muito cerceadas. No entanto, Putin e o Estado russo tendem a ter total controle do Wagner Group e suas importantes atividades fora da Rússia, o que para o líder russo significa a extensão do poder e influência do Kremlin no tabuleiro geopolítico.
O presidente russo sofreu a maior ameaça a seu poder em suas mais de duas décadas à frente do país. Habilmente, ele soube manejar a situação, evitando uma guerra civil. Conseguindo conter o golpe, Vladimir Putin reassume as rédeas da nação e retoma/reforça seus alicerces de poder. Não obstante, consegue acoplar ao Kremlin o volátil Wagner Group e sua complexa operação ao redor do mundo, sem efeitos colaterais internos para a Rússia.
A Rússia não será mais a mesma, uma vez que a tentativa de golpe apenas fez com que o presidente russo fechasse as lacunas de seu poder, se blindando contra possíveis traidores e aumentando sua tenacidade e implacabilidade com o tema. Após os acontecimentos de junho, prisões, demissões e mortes ocorreram na alta cúpula de poder da Rússia. A morte de Prigozhin necessitava ser mostrada e transmitida internacionalmente, levantando a suspeita de que foi uma retaliação do líder russo. Intencionalmente ou não, o acontecimento deixa um receio notório na sociedade russa para quem deseja trair Putin. Sendo assim, a Rússia volta às origens de suas lideranças fortes.
Dessa forma, Vladimir Putin está aumentando e aumentará ainda mais sua intensidade para mudar a Ordem Mundial pautada numa estrutura de poder ocidental. Não obstante, logo após a reestruturação do poder russo, diversas mudanças ocorreram no mundo. Este será o tema do próximo artigo.
Referências:
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