A OTAN foi criada em 1949 para impedir o expansionismo soviético e proteger os países da Europa ocidental da iminência de um avanço do Exército Vermelho. Nos anos 50, a organização já começa a se expandir incorporando a Grécia e a Turquia, com o interesse de controlar a passagem do Estreito de Bósforo que, em caso de guerra, resultaria no isolamento da frota naval soviética do Mar Negro, estacionada em Sevastopol na Crimeia. Essa estratégia geopolítica de impedir que os soviéticos tivessem saídas para o mar fez com que os EUA apoiassem a ditadura iraniana e a intervenção militar na Coreia, forçando a URSS a ficar enclausurada nos mares Báltico e Negro no Ocidente, e pelos mares de Okhotsk e do Japão no Oriente.
O fim da URSS em 1991 marcou a vitória do Ocidente e de suas instituições sobre os soviéticos, no que Francis Fukuyama chamou de "O Fim da História". No entanto, esse momento de glória representava a perda da identidade da OTAN, pois o surgimento da Aliança se pautou na constante ameaça que o Exército Vermelho e o Pacto de Varsóvia significavam para a Europa. Contudo, o Pacto de Varsóvia extinguiu-se e a URSS colapsou, o que deu abertura para reflexões e questionamentos sobre o papel da organização militar nesse novo contexto internacional. A partir de 1991, a finalidade da OTAN se tornou a de manter a segurança na Europa nesse novo cenário geopolítico e proteger o continente das incertezas que surgiram a partir da dissolução da URSS.
A recém-criada Federação Russa é vista com muita incerteza pela OTAN. Não obstante, os russos tentariam manter sua influência nos ex-territórios soviéticos e, logo no fim da URSS, ainda detinham tropas nos países que compunham a Comunidade dos Estados Independentes (CEI). Sendo assim, em meios às discussões sobre o START II em 1994, iniciou-se na alta cúpula da OTAN considerações de uma possível expansão da organização, visando conter a influência russa.
Percebia-se que a recém-formada Rússia mantinha duas “frentes” de política externa que ao mesmo tempo eram contraditórias. A primeira frente focava na aproximação desmedida com o Ocidente e a pretensão do país de se aproximar culturalmente e de inserir-se no grupo de grandes países capitalistas. A segunda frente trazia elementos da antiga União Soviética, pois visava manter fortes laços com seus redutos de influência. Esse fato mostra que a Rússia, ao mesmo tempo que queria se aproximar do Ocidente, não estava disposta a abdicar de seus interesses nacionais em regiões consideradas estratégicas.
No entanto, os idealistas à frente da máquina de Estado russa acreditavam que o mundo – após a debacle da URSS – era um local mais favorável à Rússia, pois agora não mais existiam inimigos como antes, não existia o mundo bipolar da Guerra Fria. Desse modo, com a cooperação internacional ocorrendo, o foco russo seria nos problemas internos do país, como: declínio econômico, segurança interna, crime organizado, separatismo, deterioração ambiental, temas mais importantes no momento do que a política externa.
A Rússia não aceitou a declaração de independência da República autônoma da Chechênia em 1991, fazendo com que as tensões escalassem até eclodir a primeira Guerra da Chechênia (1994-1996), onde o Presidente Boris Yeltsin (1991-99) enviou o Exército russo para impedir a separação da região pelo levante armado. A Rússia, mais uma vez, foca em seus problemas internos e, no mesmo período, a OTAN começa a discutir sua expansão. Com o conflito interno na Rússia sendo televisionado, o país sofre enormes pressões internacionais que visavam conter a violência. Além disso, a OTAN “(...) fortalecia seu discurso humanitário, pedindo calma ao governo russo e apelando a acordos com os secessionistas” (NASCIMENTO, 2008, p.79).
Em novembro de 1996, Yeltsin, em meio as derrotas das Forças Armadas russas e pressões internas e externas, retira as tropas da República autônoma, fazendo com que ela atuasse de facto como um Estado, mas sem reconhecimento jurídico. Isso ocorreu até a deflagração da Segunda Guerra da Chechênia (1999).
Submetendo-se a grande parte das exigências norte-americanas e europeias, a administração de Boris Yeltsin (1991-99) retirou as tropas russas estacionadas nas ex-Repúblicas soviéticas da Europa oriental, resultando em uma enorme perda de influência na região. Logo em seguida, ocorreram investidas por parte de Washington para fazer esses países ingressarem na OTAN. Desse modo, Polônia, Hungria e República Tcheca integraram o bloco militar em 1999.
Em 1998, os EUA firmaram o acordo Báltico-EUA, que deu início ao processo de entrada da Letônia, da Estônia e da Lituânia na OTAN e na UE, países que fazem fronteira direta com a Rússia. Isso foi feito sem que os próprios europeus ou a Rússia tenham sido consultados.
O Conselho OTAN-Rússia, órgão criado para a cooperação entre o bloco militar e a Rússia, funcionaria com consultas e encontros periódicos e operaria por consenso. Contudo, a Aliança poderia tomar e operacionalizar qualquer decisão sem ter o aval do órgão, mostrando que na prática o Conselho OTAN-Rússia não tinha efetividade. No final do governo Yeltsin, esse cenário de “cooperação” começa a mudar, quando se inicia o conflito no Kosovo, colocando em contraposição os laços entre Rússia e Sérvia, e o manejo da OTAN no conflito. Na Guerra do Kosovo (1998-99), a Rússia nem ao menos foi consultada pela OTAN na intervenção militar realizada na região da antiga Iugoslávia.
Com o avanço da Aliança ocidental para o Leste sem a inclusão da Rússia, Moscou se sentia constantemente ameaçada. Além disso, o cerco e ataque pela OTAN de seus aliados sérvios na Guerra do Kosovo era mais uma demonstração da perda de influência russa em uma área histórica e culturalmente ligada a Moscou.
A Rússia passou por relações de expectativa e frustração em relação a sua inserção na ordem ocidental. As sucessivas expansões da OTAN para o Leste europeu a Rússia fizeram com que a Rússia começasse a se preocupar com sua segurança. Devido a crise externa e interna, as pressões aumentam sobre o governo, culminado na renúncia de Boris Yeltsin em 1999 e a ascensão ao poder de Vladimir Putin.
Mesmo sob a administração nacionalista de Putin, a expansão da Aliança continuou nos anos 2000. Em 2004, Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia e Eslovênia se aliaram ao bloco. Em 2009, Albânia e a Croácia tomaram a mesma iniciativa. Recentemente, Montenegro e Macedônia do Norte adentraram ao bloco militar, subindo para trinta o número de membros. Atualmente, Bósnia e Herzegovina, Geórgia e Ucrânia tem o status de membros aspirantes na organização, todos países onde a Rússia apresenta forte influência. O presidente Putin começa seu governo no início dos anos 2000 mantendo uma boa relação com os EUA, mas sempre rechaçando e denunciando a expansão da OTAN.
Outro ponto de destaque é a forma de financiamento da instituição e a compra de material bélico. Decidiu-se em 2006, que os países membros da OTAN despenderiam o mínimo de 2% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para as despesas de defesa, se comprometendo com a prontidão militar da Aliança. Por mais que a alocação desse recurso seja uma decisão soberana de cada país, os membros da OTAN concordam que no mínimo 20% desses gastos devem ser para a compra e desenvolvimento de equipamentos militares. O interessante é que dentre os membros há toda uma indústria bélica que se beneficia desses investimentos anuais, geralmente esses investimentos são destinados a compra de armamentos de empresas dos países membros, com foco natural para os EUA.
Após a invasão da Ucrânia, os países que possuem um status de neutralidade começam a tomar posição. Este foi o caso da Suécia e da Finlândia. A Suécia tem um histórico de neutralidade em conflitos que se perpetuava por séculos. A Finlândia, após a Guerra de Inverno (1939) e sua participação na Segunda Guerra Mundial ao lado do Eixo, se posicionou de forma neutra em relação a OTAN, visando manter uma boa relação com a Rússia. Em 2022, Suécia e Finlândia formalizaram seu pedido de adesão na Aliança ocidental, lembrando que a Finlândia faz fronteira direta com a Rússia. A adesão desses países é extremamente importante na estratégia de cercar militarmente a Rússia, uma vez que fecha o flanco norte do país, pressionando os principais portos russos para o Ártico.
Esse é um movimento perigoso da Suécia e da Finlândia, países que não tem problemas relacionados a disputas territoriais com a Rússia. Ambos estão renunciando a um status de neutralidade histórico para adentrar ativamente em uma guerra que não os beneficia. O discurso para a adesão dos países à OTAN é a segurança, o que não ocorrerá, uma vez que a Rússia com certeza retaliará tal atitude, ameaçando a segurança e a integridade desses países.
A Finlândia e a Suécia também devem se preparar para a reação de seu eleitorado quando a linha de ação da organização não for na Europa, mas sim na Ásia, visando a contenção da China. O povo sueco e o finlandês apoiariam seus recursos, soldados e políticos focando em uma região remota, sem interesse estratégico para eles?
Para a OTAN, foi uma tomada de decisão arriscada, por dois principais motivos. O primeiro se configura na desestabilização interna da Aliança, isso porque a Turquia se mostrou contraria ao ingresso de Finlândia e Suécia em um primeiro momento. Para a ingressão de um novo membro na OTAN é necessário a aprovação por unanimidade de seus membros. Isso ocorreu pois ambos os países apresentam uma grande comunidade curda, muitos deles integrantes do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), organização considerada terrorista pela Turquia. Além disso, houve represálias dos países nórdicos à Turquia quando este se envolveu militarmente na guerra da Síria. Esse movimento, se aprofundado, pode causar uma rachadura em uma organização que preza pela coesão de suas ações. Mesmo com Ancara retirando suas objeções para a participação de Suécia e Finlândia depois de acordos políticos, há uma tensão entre alguns dos membros da Aliança que pode ferir essa frágil coesão do bloco.
O segundo motivo é em relação a resposta russa. A adesão desses países aumenta drasticamente a pressão sobre a Rússia, já completamente pressionada política, econômica e militarmente. Esse movimento da OTAN não dá a Moscou uma outra saída a não ser escalar o conflito ou perpetuá-lo. A história prova que a resposta à pressão de uma potência militar nem sempre é a que melhor se encaixa nos ideais pacíficos.
Mapa 01: A Expansão da OTAN

Fonte: The Economist (2022)[1]
Ao observar o Mapa 01, percebe-se a tentativa de cercar militarmente a Rússia em sua parte ocidental. A Bielorrússia continua sendo um baluarte e um estado tampão para Moscou. O mesmo status foi partilhado pela Ucrânia até sua desestabilização. A tentativa de desestabilizar a Geórgia por um governo pró-ocidental com a proposta de se unir a OTAN mostra a expansão da estratégia da Aliança, se movendo ao sudoeste russo, com foco em seu flanco Sul, na Ásia Central. Não por acaso, observou-se a partir de 2020 várias tentativas de desestabilização de países nessa região.
A única saída da Rússia para águas quentes é por meio do Mar Negro, sendo que sua saída é pelo Estreito de Bósforo controlado pela Turquia, um país membro da OTAN. A entrada da Finlândia e Suécia no teatro Oeste praticamente fecha o cerco sobre a Rússia, uma vez que pressionará os portos de águas frias da Rússia, além de sua presença militar no Ártico.
Portanto, observa-se que há uma tentativa por parte da OTAN de cercar militarmente a Rússia, retirando do país grande parte da influência exercida no antigo espaço da URSS e criando um novo “cordão sanitário” para conter as pretensões russas na Europa. Devido a isso, a Rússia se sente constantemente ameaçada pela permanente expansão militar do bloco atlantista para o Leste.
A Rússia, além de se opor veementemente as atitudes da OTAN, investiu em seu setor militar com a justificativa de se defender das ameaças advindas das ações do bloco militar ocidental e de proteger seus últimos redutos de influência.
Rodapé:
[1] Fonte: THE ECONOMIST. Russia’s menacing of Ukraine is unlikely to induce NATO to retreat. 2022. Disponível em: https://www.economist.com/briefing/2022/01/08/russias-menacing-of-ukraine-is-unlikely-to-induce-nato-to-retreat. Acesso em: 15 mar. 2022.
Referências:
ALVES, André Pinelli (Org.). O Renascimento de uma Potência?: A Rússia no Século XXI. Brasília: Ipea, 2012.
BLUM, Gustavo Glodes; JACICHEN, Julia. Em busca de um Lugar na Nova Ordem Mundial: A Rússia, o Espaço Pós-Soviético e o Pensamento Geopolítico Russo. Geographia Opportuno Tempore, 2015. 2 v.
NASCIMENTO, Flávio Augusto Lira. Federação Russa e OTAN: Uma Análise das Políticas de Moscou em Relação à Aliança Ocidental. Unesp, 2008. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/96019/nascimento_fal_me_mar.pdf?sequence=1>. Acesso em: 25 de novembro de 2022.
ROCHA, Dyego Freitas; ALBUQUERQUE, Edu Silvestre de. Revisando o conceito de Heartland na Política de Contenção Ocidental do séc. XXI. Revista de Geopolítica, 2014. 5 v. Disponível em: http://www.revistageopolitica.com.br/index.php/revistageopolitica/article/viewFile/94/93#:~:text=As%20estrat%C3%A9gias%20de%20conten%C3%A7%C3%A3o%20do%20Heartland%20de%20do%20Rimland&text=A%20%C3%81rea%20Piv%C3%B4%20representa%20uma,o%20desenvolvimento%20da%20agricultura%20comercial. Acesso em: 25 de novembro de 2022.
NATO. Funding NATO. 2022. North Atlantic Treaty Organization. Disponível em: https://www.nato.int/cps/en/natohq/topics_67655.htm. Acesso em: 05 out. 2022.
THE ECONOMIST. Russia’s menacing of Ukraine is unlikely to induce NATO to retreat. 2022. Disponível em: https://www.economist.com/briefing/2022/01/08/russias-menacing-of-ukraine-is-unlikely-to-induce-nato-to-retreat. Acesso em: 15 mar. 2022.
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